Por Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz*
Umas das questões sobre as quais muito se debate em Direito Administrativo diz respeito sobre o controle jurisdicional de atos administrativos com base no princípio da razoabilidade por impor um certo controle sob o aspecto da discricionariedade destes.
Como é de conhecimento geral, o Estado, atuando motivadamente no interesse público, precisará sempre agir com bom senso, prudência, moderação, por meios de atitudes que se mostrem adequadas e coerentes, levando-se em conta a relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade a ser alcançada, bem como as circunstâncias que envolvem a prática do ato. Em outras palavras, a Administração Pública, quando exerce as suas funções, jamais deve deixar de primar pela razoabilidade de seus atos a fim de legitimar as suas condutas, fazendo com que o princípio seja utilizado como vetor para justificar a emanação e o grau de intervenção imposto ao destinatário.
No âmbito da Administração Pública Federal, tal princípio encontra-se expresso na Lei n.º 9784/1999, mais especificamente no caput e no inciso VI do seu artigo 2°, quando o texto normativo fala da adequação entre meios e fins, ficando vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público. Logo, o ato praticado pelo agente estatal precisará guardar extensão e intensidade que sejam proporcionais para o cumprimento da finalidade do interesse público ao qual estiver atrelado.
Todavia, mesmo se não constasse na legislação infraconstitucional, o princípio da razoabilidade possui base constitucional uma vez que ele se acha implícito na Carta Magna, como um reflexo normativo lógico de seus valores. É algo que, além da lei federal já referida, pode ser também observado, por exemplo, no artigo 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, quando trata da duração do processo, e nas súmulas 285 e 400 do Supremo Tribunal Federal. E, de acordo com o ensino do professor e ministro do STF Luiz Roberto Barroso, na página 69 da 23ª edição de seu livro Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito constitucional, cuida-se de um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo o ordenamento jurídico - a Justiça.
Consequentemente, mesmo diante de um ato administrativo que seja discricionário, a sua interpretação precisará ser feita sempre com uma dose de temperamento. Pois, na falta de adequação ou proporcionalidade entre o motivo e a finalidade, caberá aí, com base no princípio da razoabilidade, uma invalidação pela própria Administração ou até pelo Judiciário, na hipótese de provocação do interessado que vier a se sentir lesado. Senão vejamos o que diz esta ementa de um julgado do Tribunal de Justiça potiguar quanto à não homologação de um concurso público:
"MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. DETRAN. PLEITO DE IMEDIATA HOMOLOGAÇÃO E NOMEAÇÃO DE CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS. DATA PROVÁVEL PARA HOMOLOGAÇÃO DO CONCURSO FIXADA EM EDITAL. INOBSERVÂNCIA. DECURSO DO PRAZO DE MAIS DE SEIS MESES SEM NOVA DEFINIÇÃO.INADMISSIBILIDADE. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. - É sabido que a homologação de concurso público encerra, a princípio, ato discricionário da Administração Pública, contudo, a sobredita assertiva deve ser interpretada com temperamento, quando o ente público, sob o pálio de estar com o limite prudencial extrapolado, deixa indefinida a data da homologação. - Em hipóteses desse jaez, competirá ao Judiciário, levando-se em conta os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica, estabelecer um prazo para a feitura do ato, porquanto não pode ficar ao arbítrio da Administração a discricionariedade em homologar ou não o concurso público para o qual externou a necessidade de provimento de cargos, ao publicar o Edital do certame com um número certo e definido de vagas. - Contudo, não há como assegurar ao candidato aprovado dentro do número de vagas ofertadas pelo Edital do concurso o direito à imediata nomeação, por se inserir o ato em questão na discricionariedade do Administrador, enquanto não expirado o prazo de validade do concurso, salvo se for ele preterido na sua classificação, ex vi da Súmula nº 15 , do STF." (TJERN - Mandado de Segurança com Liminar MS 71498 RN 2011.007149-8 - Data de publicação: 26/09/2011 - Rel. Des. Cláudio Santos)
Tal decisão me fez lembrar do drama que muitos dos que passaram no concurso de 2015 aqui em Mangaratiba, cuja homologação só veio a ocorrer tardiamente em março do corrente ano (clique AQUI para ler). E, na época, fui com frequência procurado por esses concursados acerca de como deveriam proceder, de modo encaminhei várias pessoas para o atendimento da Defensoria Pública e de escritórios de procuradores do Município vizinho de Itaguaí já que me faltavam condições de tempo para sair pegando novos casos devido ao excesso de trabalho.
Considerando o viés autoritário do novo presidente da República, o qual tomará posse no dia 01/01/2019, temo que a todo momento nós administrados precisaremos fazer uso de remédios processuais, a exemplo do mandado de segurança, contra atos que extrapolarem os limites da razoabilidade. Inclusive em relação aos próprios servidores públicos, hipóteses em que, mediante uma provocação do interessado, caberá à Justiça analisar a caracterização ou não de eventuais ofensas ao princípio da razoabilidade, lembrando que os entendimentos dos magistrados poderão variar de acordo com os seus valores.
OBS: Artigo originalmente publicado no blog pessoal do autor em 02/12/2018, conforme consta em https://doutorrodrigoluz.blogspot.com/2018/12/reflexoes-sobre-o-principio-da.html
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