Por Rodrigo Ancora*
Em sua postagem de 31/10, o blogue Notícias de Itacuruçá, editado pelo Prof. Lauro Santos, publicou a seguinte nota, com o título "Arrumando a casa", acerca do que vem ocorrendo aqui no Município de Mangaratiba acerca das nomeações feitas pelo atual prefeito, Alan Campos da Costa, o Alan Bombeiro:
"A edição de número 1018 do Diário Oficial de Mangaratiba, ao que parece, busca acertar a situação burocrática de dezenas de pessoas que foram nomeadas e exoneradas “de boca”, ao longo do quase um ano de mandato da atual gestão municipal. Os atos, em sua maioria, são retroativos a março de 2019 havendo pelo menos um com data retroativa a novembro do ano passado. A prática dessa publicação de atos “com efeito retroativo”, não é exclusividade do atual governo municipal, mas prática relativamente comum no município. Todavia, não custa lembrar o princípio jurídico que estabelece que “a eficácia do ato administrativo ocorre a partir da publicação do respectivo ato na imprensa oficial”." - https://itacrio.wordpress.com/2019/10/31/31-de-outubro-de-2019/
Acerca das portarias com efeito retroativo, fato é que não há previsão legal para a nomeação/designação retroativa de servidores/empregados públicos. Aliás, é de comezinha sabença que ao administrador público só é possível fazer aquilo que a lei permite, segundo impõe o princípio da legalidade...
Além do mais, a nomeação trata-se de um ato constitutivo de efeito atual, não podendo o prefeito querer retroprojetá-lo para o passado. Por isso, ao meu ver, atos de nomeação retroativa poderiam até ser declarados nulos, no todo ou em parte, inclusive por ação judicial, tanto em ação popular (AP), movida por qualquer cidadão, como por iniciativa do Ministério Publico, por ação civil pública (ACP).
Numa consulta aos artigos 9º a 12 da Lei Federal n.º 8.429/92, verifica-se que tanto quem nomeou como quem se beneficiou ilicitamente da nomeação (neste caso agindo de má-fé) pode ser responsabilizado. Aliás, na hipótese de servidor público, pode caber até a perda da função pública do responsável pela nomeação dentre outras penalidades previstas. Assim, devido à edição de atos sem previsão legal, não seria incabível a suspeita da prática de improbidade administrativa.
Como agente público, o prefeito deve zelar pela obediência aos princípios que regem a atividade administrativa, explícitos no artigo 37, caput, da Constituição Federal. Segundo os doutrinadores jurídicos Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves,
"concebidos os princípios como espécies das normas jurídicas, a análise da deontologia dos agentes públicos pressupõe, necessariamente, que todos os seus atos sejam valorados em conformidade com as regras e os princípios que os informam" (Improbidade Administrativa. 5ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.)
Nesse sentido, a referida Lei 8.429/92, ao dar concretude ao artigo 37, § 4º da Constituição Federal, considerou ato de improbidade administrativa a mera violação aos princípios regentes da atividade estatal e, assim, conferiu novos contornos à compreensão da probidade, considerada, até então, especificação do princípio da moralidade administrativa. Logo, segundo a disciplina constitucional, probidade não mais se encontra relacionada exclusivamente à moralidade administrativa, mas, sim, à juridicidade, assim entendida o conjunto de princípios e regras regentes da atividade estatal...
Ademais, a moral administrativa, segundo um dos autores jurídicos acima citados, é extraída do próprio ambiente institucional e condiciona a utilização dos meios previstos em lei para o cumprimento das funções estatais e a realização do bem comum. Ou seja, a moral administrativa pauta a conduta dos agentes públicos, no âmbito institucional, a partir da ideia de boa administração, conforme os princípios regentes da atividade estatal.
Indiscutivelmente, vulnera a moralidade administrativa a edição de ato administrativo não amparado em lei que é a nomeação com efeitos retroativos para a ocupação de cargo/emprego público comissionado. Por isso, acentuando o dever do agente público de agir com respeito à moralidade administrativa e, ainda, violando os princípios do Estado Democrático de Direito (buscar o bem comum, preservar a ordem pública e promover a incolumidade das pessoas), discorre o doutrinador jurídico em sua obra citada:
"A moralidade limita e direciona a atividade administrativa, tornando imperativo que os atos dos agentes públicos não subjuguem os valores que defluam dos direitos fundamentais dos administrados, o que permitirá a valorização e o respeito à dignidade da pessoa humana. Além de restringir o arbítrio, preservando a manutenção dos valores essenciais a uma sociedade justa e solidária, a moralidade confere aos administrados o direito subjetivo de exigir do Estado uma eficiência máxima dos atos administrativos, fazendo que a atividade estatal seja impreterivelmente direcionada ao bem comum, buscando sempre a melhor solução para o caso".
Acrescente-se que, mesmo se a pessoa nomeada tenha ou não trabalhado efetivamente para a Prefeitura, não há como se reconhecer uma prestação informal do serviço à Administração Pública, sem que haja a prévia constituição do vínculo com o Município. Logo, torna-se flagrantemente ilegal e imoral o ato de nomeação retroativa!
Acrescente-se que, além de macular a legalidade e a moralidade administrativa, a reiterada conduta do prefeito municipal também se mostra em desacordo com a perfeita observância do princípio da impessoalidade. Aliás, todo esse excesso de nomeações que temos visto por aqui nas publicações do Diário Oficial do Município (a Edição de n.º 880 do DOM teve mais de 600 portarias ocupando 70 páginas) faz suspeitar de uma provável burla à regra do concurso público, tornando-se uma continuidade da prática contínua de contratações temporárias. Ainda mais quando o certame da Administração encontra-se vigente (foi prorrogado até março de 2020) e há candidatos aprovados ainda aguardando vaga ou compondo o cadastro de reserva.
Ora, incontestável é a legitimação do Ministério Público para promover a defesa do patrimônio público por meio da ação civil pública, o que advém tanto da Constituição Federal quanto da legislação infraconstitucional. Neste caso, o alcance seria maior do que numa demanda popular, caso esta fosse novamente tentada contra o atual gestor a exemplo de um jurisdicionado (não sei se cidadão mangaratibense) na época quando o então prefeito interino, Vitinho, governou o Município, dando origem aos autos n.º 0007168-31.2018.8.19.0030, ainda em curso. Pois, na propositura de ACP, poderá ser requerida pelo Promotor de Tutela Coletiva a condenação das pessoas envolvidas (de quem nomeou e dos favorecidos), obrigando-as a ressarcir os cofres públicos. Inclusive, já foram prolatadas pelo atual titular do Juízo da Vara Única da Comarca, Dr. Marcelo Borges, decisões que determinaram a exoneração dos comissionados e seus respectivos abonos, nos processos 0005888-64.2014.8.19.0030 e 0005739-34.2015.8.19.0030, o que foi confirmado pelo Desembargador Luciano Saboia Rinaldi de Carvalho, no julgamento do Agravo de Instrumento n.º 0041071-84.2017.8.19.0000, mas que até a presente data não foram cumpridas.
Além disso, pode o Ministério Público abrir um inquérito civil público e tentar a formalização de um Termo de Ajuste de Condutas (TAC) a fim de que essa situação de ilegalidade e inconstitucionalidade, prolongada por vários meses na atual gestão, venha ser corrigida. E, no meu modo de ver, este seria um caminho inteligente para o Ministério Público, por meio do titular da 3ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva do Núcleo de Angra dos Reis, Dr. Daniel Marones de Gusmão Campos, buscar uma solução que seja satisfatória em que o atual Chefe do Executivo compareceria presencialmente a uma audiência e lá assinaria um acordo, sob pena de multa pessoal, para, gradualmente, ir aparando as arestas. É como penso.
(*) Rodrigo Phanardzis Ancora da Luz é advogado e assessor jurídico do SISPMUM
OBS: Texto publicado originalmente no blog do autor em 31/10/2019 - http://doutorrodrigoluz.blogspot.com/2019/10/o-problema-das-nomeacoes-irregulares-na.html
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